Aqui se fecha o ciclo das três atitudes facilitadoras em Rogers, para a concepção do tornar-se pessoa que é a consideração positiva incondicional, ou seja, aceitar o outro como é e do jeito que ele (a) estiver.
Assim, aceitar a pessoa como realmente ela é, é um exercício constante. Não se tem respostas para tudo. Considerar o outro positivamente, é olhar para a humanidade deste, em seus aspectos saudáveis em sua natureza criativa e sensível, e não concordar em tudo como o outro é, mas sim aceitar quem se é, em sua potência de vida e também em seus limites.
Para que esta atitude ocorra, é preciso estar sensibilizado de maneira positiva a realidade que a pessoa esteja vivendo, por mais que haja incongruência. Não é falando para o outro o que ele (a) precisa fazer, ditando um tipo de comportamento, sendo impositivo, que nos fará ter algum resultado, mas aceitar o presente momento em que o mesmo se encontra.
A consideração positiva, é incondicional, se alguém é estimado como pessoa, independentemente dos critérios que poderiam ser utilizados na apreciação dos diversos aspectos de seu comportamento. Consiste esta atitude num “interessar-se pelo outro, mas num interessar-se não-possessivo; numa aceitação do outro como pessoa autônoma (JUSTO, 1975, p. 40).
Quando permitimos que a pessoa seja ela mesma sem querer que represente ou “empreste” uma persona não sua, cresce rumo a autonomia, pois sente-se aceita e acolhida pela consideração positiva incondicional do outro, na qual não é julgada, interpretada e classificada com rótulos, mas valorizada em seu processo de maturação.
No inverso do não acolhimento a vitimização acontece neste momento, de sentir-se “coitadinho”, achando que a culpa ou a responsabilidade é sempre do outro, pois o receio de não ter aprovação do que verdadeiramente se é, causa-lhe espanto, tensão, uma sensação de fracasso.
Tomar posse de suas realidades mais íntimas, pode ser o caminho necessário a ser enfrentado. Quanto mais se aprofunda no verdadeiro abismo de si mesmo, tanto maior será os conflitos, uma vez que o processo de amadurecimento do eu real exige de nós, um desapego de nossas máscaras.
Esta atitude só diz respeito a quem tem a coragem de assumir a condição de ser imperfeito, que passa o tempo todo pela experiência do limite e que tem consciência na vida, na qual sempre é tempo de recomeçar. Ao fazer isto, estamos agindo no processo que Martin Buber (filósofo existencialista) chama de confirmar o outro, pois ao aceitar o outro, suas potencialidades e limitações eu entendo que existem outras formas de se reinventar como ser humano, pois errar é um detalhe que faz parte do processo de aperfeiçoamento humano.
Martin Buber, o filósofo existencialista da Universidade de Jerusalém, emprega a expressão “confirmar o outro”, expressão que teve para mim um grande significado. Disse ele: “Confirmar significa (…) aceitar todas as potencialidades do outro (…) Eu posso reconhecer nele, conhecer nele a pessoa que ele foi (…) criado para se tornar (…) Confirmo-o em mim mesmo e nele em seguida, em relação a essas potencialidades (…) que agora podem se desenvolver e evoluir.” Se aceito a outra pessoa como alguma coisa definida, já diagnosticada e classificada, já cristalizada pelo seu passado, estou assim contribuindo para confirmar essa hipótese limitada. Se aceito num processo de tornar-se quem é, nesse caso estou fazendo o que posso para confirmar ou tornar real as suas potencialidades (ROGERS, 2009, p. 65).
Confirmar o outro positivamente é reconhecer que mesmo em meio as fraquezas humanas, a capacidade de tornar-se quem se é, passa pela ressignificação dos erros e acertos de cada um.
Nesta forma de abordar o ser humano, aceitando-o como é, desperta nesta pessoa, o encorajamento de ser autêntico, sem defesas, nem justificações, mas buscar a originalidade de ser pessoa, através da escuta sensível de si mesmo. Este mesmo exercício é praticado por Rogers pois, para ele, ao escutar
[…] cada indivíduo que fala de si tão cuidadosa, exata e sensivelmente quanto sou capaz. Quer a expressão seja superficial ou significativa, eu escuto. Para mim, o indivíduo que fala é importante, merece compreensão; consequentemente, ele é importante por ter exprimido qualquer coisa. Alguns colegas dizem que, deste modo, eu “valido” a pessoa (ROGERS, 2009, p. 55-56).
Escutar o ser desta pessoa não é só pelas palavras ditas, atitudes, mas um entendimento integral que envolve além da compreensão dos cinco sentidos e toda a experiência de sentir, mas ser afetado por cada região de nosso organismo.
Infelizmente, porém o ser humano está cada vez mais centrado em si mesmo valendo como menciona Rogers que “[…] minha máxima que resume muitas de minhas mais profundas convicções” (ROGERS, 1977, p. 206). A este respeito o autor considera que
Se eu deixar de interferir nas pessoas, elas se encarregarão de si mesmas; se eu deixar de comandar as pessoas, elas se comportam por si mesmas; se eu deixar de pregar às pessoas, elas se aperfeiçoam por si mesmas; se eu deixar de me impor às pessoas, elas se tornam elas mesmas.
Aceitar sem reservas seria não impor condições para que o ato se concretize, pois o que mais costumamos ouvir da sociedade é, “[…] você deveria fazer isto, tomar tal atitude, decidir aqui, escolher ali,” sem preocupação alguma com que o outro sente ou ao menos querer saber a intenção em conhecer os motivos desta pessoa, para exercer o ofício de ser ser humano.
O outro, querendo impor regras, padroniza um tipo de comportamento, dita um ritmo afirmando que a felicidade é por este ou aquele caminho somente, sem dar importância ao projeto pessoal que gera autonomia. Este padrão imposto pela sociedade, acaba despersonalizando as pessoas, causando inúmeras tragédias que não cabe aqui numerá-las.
O valor enfatizado então, é a descoberta, aceitação e a experiência rica, ao mesmo tempo, dolorosa de ser quem você é, sem imposição alheia. É necessário considerar o que o outro diz sim, mas sempre ter em vista que a maior referência para a pessoa é ela mesma, e através dela que é indicado e assegurado que os caminhos devem ser trilhados no sentido que vem da experiência organísmica, esta que será melhor detalhada no próximo capítulo, ou seja, mais do que um convite, é experimentar aquilo que nos significa.
REFERÊNCIAS
JUSTO, Henrique. Carl Rogers: Teoria da Personalidade Aprendizagem Centrada no Aluno. 2ª Ed. Porto Alegre, RS: Emma, 1975.
ROGERS, Carl R.; ROSENBERG, Rachel L. A Pessoa como Centro. São Paulo: EPU, 1977.
ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa. 6ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.