Experiência Organísmica

O organismo na abordagem rogeriana é fonte de todo recurso, potencial de crescimento e desenvolvimento humano, a partir da escuta, do reconhecimento dos sentidos e dos afetos que geram em seu interior.

            É necessário fazer sempre o exercício de recolhimento diante daquilo que nos afeta, ouvindo o que o organismo está pedindo para ser executado, ao mesmo tempo obedecer as necessidades, desejos e vontades, desde que haja congruência com que ocorrer no interior da pessoa, expressando, de certa maneira, o comportamento do indivíduo, pois como destaca Rudio (2003)

Organismo indica o próprio indivíduo, enquanto é totalidade psicossomática em interação com o meio. “Organismo” é o que pertence ao organismo. Assim, por exemplo, o comportamento é expressão do indivíduo total, é uma propriedade “organísmica”. Já a circulação do sangue é algo que pertence apenas ao corpo: é uma propriedade “orgânica”. O termo experiência serve para indicar o que se passa no organismo num determinado momento, isto é, o que o indivíduo vê, ouve, sente, recorda, etc. E que pode ser representado adequadamente na consciência. Diante da experiência, o organismo reage como totalidade organizada: não são os meus olhos que vêem, sou eu que vejo. (RUDIO, 2003, p. 31).

Assim, é através da experiência na qual é identificado o que se passa no interior da pessoa como um ser integral. Este acontecimento interno deve ser levado em consideração o que ouve, enxerga, toca, cheira e sente, experienciar o organismo para além dos cinco sentidos. Sinteticamente, portanto, organismo em Rogers é sinônimo de ser quem você é.

O organismo humano é, em seu nível mais profundo, digno de confiança; que a natureza básica do homem não é algo a ser temido, mas a ser liberado na auto-expressão responsável (ROGERS, 1978, p. 25).

Estamos, de certa forma, expostos a qualquer tipo de relacionamento ou experiência que nos invade de maneira violenta, agressiva ou simplesmente sutil, mas é inegável dizer que não estejamos sentindo, porque está acontecendo de forma real no interior organísmico. Daí que a certeza de se confiar no organismo é saber que somos afetados o tempo todo de forma previsível ou não.

Por isso confiar na experiência congruente do organismo, é antes de mais nada, aceitar a própria experiência, aceitar o fato de que há necessidade de um desprendimento pessoal para agir de acordo com o próprio movimento.

Quando se fala de modo básico do que “motiva” o comportamento dos organismos, é a tendência direcional que é considerada fundamental. Essa tendência é sempre operante a qualquer momento, em todos os organismos. O organismo é autocontrolado. Em seu estado normal move-se em direção ao desenvolvimento próprio e à independência de controle externos (ROGERS, 1978, p. 227).

O organismo tem uma direção, a de corresponder as suas perspectivas, quando é barrado em sua tendência espontânea, a pessoa adoece, por não vivenciar os próprios sentimentos de forma coerente.

Há um apelo fundamental do organismo em querer saciar-se, satisfazer-se, realizar-se. Parece meio egoista, mas só há encontros autênticos se esta humanidade for explorada, uma vez que cada indivíduo constrói a sua. Por isso que perceber o organismo não é só identificá-lo, mas incorporá-lo e manifestá-lo.

O organismo reage ao campo como ele é experimentado e percebido. Este campo perceptual é, para o indivíduo, sua “realidade”. E isto é, portanto, uma dada experiência única no mundo fenomenal de um indivíduo (MILHOLLAN, 1978, p. 149-150).

O indicativo de que a resposta manifestada pela pessoa está sendo congruente, é o fato desta ter a certeza de sua direção e do que está fazendo. Ao mesmo tempo, no momento, pulsa no interior do organismo, o desejo de querer mais, de poder compartilhar o sentimento que foi criado para o crescimento desta relação congruente:

Rogers considera o organismo como sendo o tempo todo um sistema totalmente organizado no qual a alteração de qualquer parte, pode produzir mudanças em qualquer outra parte. Mas a este respeito também delineia quatro atitudes ou modos de ser específico, que, se incorporados na estrutura do self, facilitarão este processo de testar a realidade. São eles: (1) abertura a experiência, (2) confiança na sabedoria do organismo para manter-se e aceitar, (3) disposição para ser um processo e (4), enquanto processo, disposição para experimentar ambiguidade (ROGERS apud MILHOLLAN, 1978, p. 167).

O organismo pede integração das partes envolvidas, tudo está interligado, não há como disfarçar que algo não esteja acontecendo no interior organísmico, pois o mesmo se revelará de diversas formas, conforme o destino na qual, cada pessoa conduz.

Este self que é a concepção integral, total e realista do organismo como mencionado acima, estar aberto a tudo que poderá ocorrer independentemente do sentimento, é abrir espaço para possibilidades ainda que estas não sejam tão boas, mas necessárias para o enfrentamento de si.

Confiar na sabedoria do organismo é aceitar a experiência real, e assim dando continuidade ao processo, estando disponível e disposto a vivenciar emoções contraditórias, que no início possa confundir ou causar um afastamento de si mesmo, desde que seja momentâneo porque será necessário e primordial voltar para o ‘eu’ interior.

O organismo possui uma tendência básica: manter-se, realizar-se e expandir-se (JUSTO, 1975, p. 49). O ser humano precisa de manutenção, no sentido que é necessário avaliar e reavaliar de forma permanente a sua condição, pois o que clama no ser, no âmago da existência humana é a autorealização.

Esta que é perseguida de formas variadas  e muitas vezes buscada de maneira equivocada. Quando se assume o sentimento que leva ao crescimento de si mesmo, então, o desenvolvimento acontece espontaneamente, expandindo-se para as relações, afetando o coletivo em favor da experiência significativa, pois como ensina Klockner (2010)

Quando o indivíduo está aberto à sua experiência, ele descobre que pode confiar no seu organismo. Ao invés de temer suas reações emocionais, ele descobre que os sentimentos que existem nele ao nível organísmico e visceral são um guia competente e confiável para o seu comportamento. A consciência deixa de ser o ‘vigia’ de uma multidão de impulsos perigosos e imprevisíveis, dos quais poucos “podem ver a luz do dia” para descobrir que os impulsos, sentimentos e pensamentos que emergem do seu organismo possuem uma autodireção confiável quando não são guardados medrosamente. Assim, abrindo-se à experiência total do seu organismo, o indivíduo descobre que existe uma sabedoria nele que vai muito além do intelecto e que lhe possibilita fazer as escolhas mais adequadas e mais satisfatórias para cada situação existencial (KLOCKNER, 2010, p. 25).

De acordo com Klockner, ter a coragem de enfrentar as realidades organísmicas, não significa não ter medo e sim, encarar a situação de frente, ainda que não esteja preparado. Ainda que hajam receios é necessário se encorajar e ultrapassar os obstáculos do novo.

Assim, aquilo que queremos mudar em nosso comportamento começa a ser viabilizado pela dinâmica interna, passa-se a confiar com a esperança de utilizar dos temores que nos amedrontam, reconhecer um motivo para se ter qualidade na postura de comunicar para si e ao outro o que verdadeiramente sente.

Com esta abertura, as ameaças são transformadas em objetivos significantes, que constroem o ser humano, passando do discurso para objetivação de realizar os impulsos de ordem intelectual, afetiva, relacional e o todo que contextualiza e o cerca, dando respaldo e confirmação de que o caminho está sendo adequado diante de cada experiência.

O núcleo da personalidade do homem é o próprio organismo, de que a essência é conservar-se e ter uma vida social. Para ir para o outro, é, pois, em primeiro lugar para nós próprios que nos devemos voltar (HANNOUN, 1980, p. 85).

O funcionamento da personalidade em Rogers, se dá pela experiência do organismo, na qual, é extraída a essência de vir a ser, um projeto sempre voltado para o retorno da fonte original de sermos quem realmente somos. Não só como um resgate do que porventura possa ter perdido, mas uma eterna descoberta e reconhecimento de si neste processo.

 

REFERÊNCIAS

HANNOUN, Hubert. A atitude não-directiva de Carl Rogers. 1ª Ed. Lisboa: Ed. Livros Horizonte, 1980.

JUSTO, Henrique. Carl Rogers: Teoria da Personalidade Aprendizagem Centrada no Aluno. 2ª Ed. Porto Alegre, RS: Emma, 1975.

KLOCKNER, Francisca Carneiro de Sousa. (Org). Abordagem Centrada na Pessoa: A Psicologia Humanista em Diferentes Contextos. Londrina-PR: Ed. Unifil, 2010.

MILHOLLAN, Frank.; FORISHA, Bill E. Skinner X Rogers: maneiras contrastantes de encarar a educação. São Paulo: Summus, 1978.

ROGERS, Carl R. Sobre o Poder Pessoal. 1ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1978.

RUDIO, Franz Victor. Orientação Não-Diretiva: na educação, no aconselhamento e na psicoterapia. 14ª Ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003.