A Pedagogia não diretiva proposta por Carl Rogers, por visar justamente o não controle no sentido do sujeito colocar um poder pessoal sobre o conhecimento, ou seja, ser detentor do saber, muitas vezes é acusada, no meio acadêmico, como um caminho simplista, superficial de acesso, enquanto método de ensino.
O não direcionamento dos conteúdos, bastante defendido por Rogers, não significa descartar o que é proposto nas disciplinas a serem ministradas ou deixar simplesmente por conta do aluno a responsabilidade de sua aprendizagem, mas sim aproveitar dos recursos potenciais do indíviduo, para serem lincados com o conteúdo vigente, trazendo os mesmos para a realidade humana existente em cada aluno.
Na realidade social, estamos acostumados a presenciar a cópia, a reprodução de modelos. Assim, o que mais vivenciamos são situações nas quais seguir um padrão pré estabelecido, esperar que o outro nos guie, que venha nos dizer os caminhos a serem percorridos e que ao mesmo tempo nos retire com esta atitude, nosso senso de autoria na vida, gerando um comodismo em nós.
A este respeito, Mizukami (1986) comenta que
Em relação à proposta rogeriana, o não-diretivismo é aqui considerado principalmente no que se refere ao respeito dado ao aluno quanto à sua própria atividade, quanto ao “como” ele irá trabalhar os conceitos, quanto às oportunidades de investigação individual. A forma de solução de cada problema é pertinente apenas a cada aluno e a ele caberá encontrá-la (MIZUKAMI, 1986, p. 84).
Uma das críticas direcionadas a Rogers na educação é voltada exatamente para estas questões: como conceber um ensino centrado no aluno? O aluno escolhe o que irá estudar e por ser mais significativo para sua vida, não ‘obedecerá’ a instituição e assim seguir o próprio caminho? Burlar até mesmo os sistemas implantados de normas e regras? Como fazer com que os alunos tenham uma aprendizagem significativa nesses moldes?
Essas e tantas outras críticas e problemáticas são questionadas e interpretadas equivocadamente no meio acadêmico, visto por muitos como senso comum, metodologia frágil, sem recursos, não cabendo e não podendo ser concebido na educação contemporânea.
A Pedagogia não-diretiva não quer dizer abdicar de todos esses requisitos, mas a ênfase aqui, é de aproveitar todos os recursos potenciais do aluno sem imposição de modelos prontos, regras enrijecidas ou qualquer outro impedimento que desfavoreça o crescimento espontâneo do aluno. Sendo assim, esta não diretividade visa ao aluno primeiramente lincar os conteúdos com sua própria vida, aquilo que o mesmo introjeta em seu interior como algo que seja significativa e o eleve enquanto pessoa, pois o aluno sentirá este desenvolvimento através da experiência organísmica.
Nesta pedagogia, portanto, tem-se o cumprimento de regras sim, transmitir o conteúdo proposto sim, mas sem ficar refém delas. Aliás, a crítica é bem vinda, mas uma questão a ressaltar é: por que é tão importante se assegurar dos conteúdos a serem trabalhados de forma que cumpra um dever institucional para se ter uma base de início ou ponto de partida?
Esta pergunta é para refletirmos acerca de nossa existência, a fim de que possamos problematizar o que realmente é essencial para o processo de crescimento. Sempre é bom enfatizar que o conteúdo é importante sim, o planejamento, as questões burocráticas e internas devem ser discutidas, mas nesta discussão, quem verdadeiramente é o centro da educação humana?
Nesta discussão, que a Pedagogia não-diretiva traz para o meio acadêmico, percebe-se cada vez mais alunos reproduzindo a aprendizagem transmitida, e não demonstrando realmente estar convicto de suas escolhas e decisões extraídas desta experiência. Nesta abordagem é valorizado o caminho para a liberdade de ser aluno que se encontra inacabado, nunca pronto, mas sempre abertos às diversas significações dos conteúdos que são elencados.
Rogers considera o ato educativo essencialmente relacional e não individual, a força do grupo e das relações interpessoais entre alunos, professores e toda dinâmica que envolve, além de fortalecer o vínculo, enaltece o valor e o respeito entre todos os presentes.
Este tipo de relação favorece a aprendizagem, pois envolve afetividade e abertura a novas experiências que ultrapassam os limites da educação propriamente dita. O aluno sentindo-se acolhido e aceito, abre-se a um processo de restauração de sua persona, na qual será afetado pelo clima proporcionado em sala de aula pelo professor.
A orientação não-diretiva, acredita-se que existe em todo ser humano um processo natural e permanente de desenvolvimento, onde o indivíduo está em busca de sua auto-realização, autonomia e ajustamento. Considera-se que a base necessária para mudanças desejáveis é a aceitação de si, aqui e agora: a partir do que o indivíduo realmente é, os recursos atualmente existentes podem ser descobertos, reconhecidos e utilizados para as mudanças necessárias numa direção mais construtiva (RUDIO, 2003, p. 17).
Orientação não-diretiva nos permite flutuar por lugares jamais vistos, conhecidos e que necessitam serem tocados nesta incessante descoberta pelo ser pessoa, que irá refletir no processo de apreensão do conhecimento, consequentemente trará uma nova luz na aprendizagem do aluno.
A não-diretividade não quer dizer sem direção ao caminho a ser percorrido. É justamente o fato de não instruir, conduzir o processo no sentido que haja uma interferência direta da pessoa.
Para (KLOCKNER, 2010, p. 41) não dirigir é diferente de não cuidar, é simplesmente não impor. E cuidar aqui tem um caráter apreciativo, atencioso e observador diante dos fenômenos que acontecem, nesta não-diretividade existe um conteúdo que está muitas vezes implícito no aluno e que será investigado para deixar fluir a essência da pessoa.
Acentua-se nesta tendência o papel da escola na formação de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemas psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo esforço está em estabelecer um clima favorável a uma mudança dentro do indivíduo, isto é, a uma adequação pessoal às solicitações do ambiente. Conteúdos de ensino – a ênfase que esta tendência põe nos processos de desenvolvimento das relações e da comunicação torna secundária a transmissão de conteúdos. Os processos de ensino visam mais facilitar aos estudantes os meios para buscarem por si mesmos os conhecimentos que, no entanto, são dispensáveis. Métodos de ensino – Rogers explica algumas das características do professor “facilitador”: aceitação da pessoa do aluno, capacidade de ser confiável receptivo e ter plena convicção na capacidade de autodesenvolvimento do estudante. Relacionamento professor-aluno – a Pedagogia não diretiva propõe uma educação centrada no aluno, visando formar sua personalidade através da vivência de experiências significativas que lhe permitam desenvolver características inerentes à sua natureza. Pressupostos de aprendizagem – a motivação resulta do desejo de adequação pessoal na busca da autorrealização; é portanto um ato interno. A motivação aumenta, quando o sujeito desenvolve o sentimento de que é capaz de agir em termos de atingir suas metas pessoais, isto é, desenvolve a valorização do “eu”. Aprender, portanto, é modificar suas próprias percepções (LUCKESI, 2011, p. 78-80).
O papel da escola nesta perspectiva não-diretiva tem a função de propiciar um clima favorável em que haja confiança mútua entre as pessoas, liberdade e apreciação de cada parte integrante, sendo transparente e responsável, empático e considerando o outro positivamente, independente de quem seja.
O valor atribuído aqui é de mudança personalística do indivíduo, sobretudo o que ele (a) experimenta em cada ambiente. É um desafio que ultrapassa os limites pedagógicos, um olhar para além dos trabalhos de caráter conteudista, pragmático e rotineiro.
Esta forma de chegar no aluno, alcança-o no sentido do mesmo identificar o seu próprio jeito de aprender e apreender, assimilar questões que não envolvem só o processo cognitivo, mas que para compreender bem, é preciso sentir e vivenciar os significados do que o conteúdo oferece. Sem esta afetação, não se produz sentido e sobre esta perspectiva é que se desenvolve a pedagogia não-diretiva.
Enquanto método de ensino esta pedagogia propõe a educação que tem como o centro, a pessoa, antes de qualquer papel que venha a ser desempenhado. Desta maneira o professor é um facilitador no processo de ensino/aprendizagem, sendo um apoio, auxílio e não um guia causador de dependência por parte do aluno.
Este processo de ensino visa a formação da personalidade do aluno como pessoa, através dos conteúdos validados em sala de aula. Transmitir o conteúdo e para este virar conhecimento, passa pela experiência significativa, realidade que o aluno acaba absorvendo diante da situação vivenciada.
A aprendizagem tem por motivação instigar em cada organismo humano a capacidade de se autorrealizar, esta serve de base para a busca de mudanças internas para que a própria percepção do homem também se modifique, na experiência processual de seus limites e possibilidades.
Sentimento este da aprendizagem que o aluno porventura possa ter diante das experiências dolorosas vivenciadas anteriormente, que influencia no desenvolvimento cognitivo na atualidade. Evidente que os professores não têm condições de arcar com a demanda dos alunos, mas há formas de que ao menos esses alunos possam em meio as suas diferenças, respeitar-se e respeitando os demais tornando, desta maneira, o ambiente propício ao crescimento coletivo.
Se esta consciência incorporar organismicamente como refere Rogers, cada qual com sua velocidade, forma e ritmo, o aluno irá não apenas pensar o seu desenvolvimento, mas o crescimento da coletividade, pois também sentirá responsável pelo outro e assim virará uma grande comunidade de aprendizagem. O’Hara, por exemplo, testemunha isto, ao mencionar que
[…] no trabalho de Rogers, encontrei exatamente o que estava procurando. Encontrei uma metodologia, uma forma pura de exploração científica sendo utilizada por seres humanos na exploração de si próprios e uns dos outros, mas que não era diferente – em essência – de nenhuma busca científica de compreensão dos segredos universais (O’HARA, 1983, p. 106).
Maureen O’Hara escreve acima, testemunhando que o trabalho de Rogers e sua metodologia influenciou e provocou várias questões em seu pensamento, principalmente de como atingir o ser humano de uma forma que o conheça e explore este conhecimento de maneira que se baseie também de forma científica.
Portanto, a Pedagogia não-diretiva tem um caminho de ensino de forma não impositiva, padronizada, mas sim, de ser explorado subjetivamente a fonte de aprendizado da humanidade existente em cada aluno, à partir de suas vivências acadêmicas e pessoais, onde tudo é um todo, tudo se relaciona e tudo tem a possibilidade de se modificar.
REFERÊNCIAS
KLOCKNER, Francisca Carneiro de Sousa. (Org). Abordagem Centrada na Pessoa: A Psicologia Humanista em Diferentes Contextos. Londrina-PR: Ed. Unifil, 2010.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. 2ª edição. São Paulo: editora Cortez, 2011.
MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: As Abordagens do Processo. 1ª edição. São Paulo: editora EPU, 1986.
ROGERS, Carl R. et al. WOOD, John K. et al O’HARA, Maureen Miller. et al. FONSECA, Afonso Henrique L. da. Em Busca de Vida: da terapia centrada no cliente à abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Summus, 1983.
RUDIO, Franz Victor. Orientação Não-Diretiva: na educação, no aconselhamento e na psicoterapia. 14ª Ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 2003.